quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Incrível

É incrível não é? É incrível como de um momento para o outro tudo deixa de fazer sentido. E no final de contas culpabiliza-se aquela palavra indiscreta, aquele olhar arrasador. É incrível como tudo pode ser pouco e o pouco poder não ser o tanto que é preciso para exprimirmos o que sentimos, quando muitas vezes aquilo que sentimos acaba quase sempre numa frase trémula a cair na lama.

É incrível como existem tantos segredos não revelados, mistérios avôs, longe da memória e dos tempos. Sigilos dos deuses guardados em arcas de Pandora no mais recôndito canto do mundo, desafiando a cobiça dos que dominam o fogo.

É incrível a velocidade como somos obrigados a crescer, com ou sem o nosso consentimento. No agora estamos a romper o ventre de nossas mães e já no depois estamos a ouvir essa voz que nos sussurra canções de embalar, para mais tarde darmos por nos contendo as lágrima no momento do adeus sabe-se lá até quando. E enquanto o nó na garganta se vai desenlaçando na razão florescem os frescos das nossas aventuras imagináveis, onde uma muralha faz de conta é o bastante para nos proteger daquele dragão borrado com aguarelas num pequeno pedaço de papel amarrotado. E num momento, no meio de tantos outros, derrubamos esse castelo pois o tamanho sempre contou e há limites que já não nos acolhem como outrora.

É incrível como a vida nos dita de uma forma tão subtil, quase imperceptível, o caminho que devemos seguir. E iludidos seguimos em frente sem sequer nos apercebermos. Chega a altura em que sabemos que a razão nos acompanha sempre, como aquela melhor amiga lá do liceu, e ela ilude-nos e cega-nos. E as mãos velhas que nos tentam salvar, e as caras magoadas praguejando ao passo que os nossos sentidos se encerram na nossa própria jaula.

É incrível a força com que as paixões nos avassalam de forma tão espontânea, tão solta. E aquele primeiro beijo que nos faz sentir tão altos, quase como gente!

É incrível como o tempo nos assiste e se ri de nós pela calada da noite. E por tantas vezes nos deixamos dormir exaustos do caminho sinuoso e da viagem sem que tenhamos a sensação de estar a chegar seja onde for.

É incrível, assustador até, pensar que o mundo pode acabar já amanhã.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Ciúme


Suplico-te… Por favor, não!

Suou uma pancada seca. Suou o eco de um corpo caindo no chão.

Está tudo tão escuro, tão húmido, tão silencioso… Acordo com um sabor a terra nos lábios, à minha volta um cheiro a humidade. A luz que me iluminava momentos atrás foi-me roubada. Assim com um esticão, sem que me dessem alternativa!
Já não vejo mais o Sol sobre a minha cabeça, nem o reflexo no espelho a minha frente e nem te vejo a ti do outro lado da rua, no entanto sei que se aclamar pelo teu nome o som trémulo vai-se reflectir na tua existência. Resta apenas um lençol húmido e espesso. Não sei onde estou. Apenas sei que este sítio, seja lá onde for, está tão escuro, parece-me tão assustador.

Fico quieto, assimilando os sons que me rodeiam. Paços que se arrastam em direcções que nem sei, um mais que me chama a atenção e ia jurar que te avistara por um instante mascarada de medo e terror. Mas novamente a escuridão me engole no seu leito devastador e me perseguem os sons vagabundos, porém de uma forma qualquer consigo sorrir pelas recordações despejadas na minha razão – o teu corpo insinuante, os teus seios delicados por baixo de um vestido de ceda. Eis que mais uma vez não compreendo. Afinal como vim aqui parar? A dormência provocada pelo desconhecido é tal que já nem sinto medo, apenas vazio.
Oiço vozes destorcidas, risos de crianças, paços… Mais paços que se avizinham cautelosos, mas precisos na minha direcção, como que se o que se aproxima soubesse exactamente onde me encontro mesmo por debaixo de toda esta atmosfera densa e de toda a escuridão.

És tu?...

Mas não houve retorno e as palavras foram engolidas pelo vácuo. Apercebo-me de algo a roçar pelo chão, como um manto, e por um momento que julguei ser delírio consegui deslumbrar um vulto sem rosto e o reflexo de uma lâmina aguçada.
Estou cego e fraco. Cego, pois não te vejo diante de mim e muito menos oiço os teus suspiros despreocupados por entre aquelas tardes de Verão soltas no tempo. Não sinto o cheiro da tua pele fresca, nem a suavidade do teu toque no meu rosto. Sinto-me fraco por não sentir o palpitar do teu coração, sempre tão agitado, tão impaciente…

Sinto-me tão fraco e tão sujo, vulnerável, a mercê de quem por ali passar. Creio que ela não tardará, pois assim que sentir o meu odor impregnado na espessura da névoa circundante virá ao meu encontro. Consegues vê-la? Consegues senti-la?
A vagabunda solidão que caminha com paços incertos, ninguém a quer, todos a rejeitam e ela tem sede de vingança, tem vontade de beber de mim e da minha mágoa para se saciar dos desgostos do mundo, eu sinto-o, eu consigo senti-lo!
Lá está ela, por entre aquela selva urbana, escondida numa esquina como um predador na savana e a qualquer momento lançar-se-á sobre mim – a sua presa fácil – e serei o seu banquete. Pouco me restará, pois ela já me consome. Cada pedaço do meu corpo, cada fragmento da minha alma e ela saboreia-o vagarosamente, caprichosamente, até me sufocar.
Sinto um gelo que se impregna nos meus ossos e estala, um gelo que me queima a carne, sugando-me a vitalidade esvaziando-me de tudo o que sou.

Porquê eu? Porque fizeste isto?...

Uma vez mais um som tímido que se perde na imensidão da noite, ninguém respondeu. E caem na lama as tantas perguntas que ainda me assombram a mente, tenebrosas recordações regelam ainda mais o pouco que me resta. E uma vez mais apercebi-me da tua presença – que eu tanto acreditei – mas que não passou da sombra de alguma coisa que por ali passou.
Ela voltou, com o seu manto a roçar o chão numa monotonia melódica. A figura sem rosto, erguendo uma ceifa na mão esquerda deteve-se por instantes e com um movimento descendente fez deslizar uma lâmina aguçada e do nada um reflexo sem precedentes que me cega e novamente uma sensação de nada e de vazio.

Abri os olhos com um esforço sobrenatural. Já não sentia o cheiro da terra molhada entranhando-se pelo meu nariz. Desta vez estava sentado sobre algo macio e naquele instante apercebi-me que me estava a mover. A cadeira onde estava, aparentemente de um cinema ou anfiteatro, elevava-se sobre todas as outras em direcção a um par de cortinas cerradas de um vermelho profundo e carregado. Ao paço que me aproximava, as cortinas por sua vez deslizaram em direcções opostas revelando uma tela sombria… Inicialmente vislumbrei tudo negro, mas a medida que foi sendo conduzido pude começar a aperceber-me dos pormenores. Era um retrato esboçado. Um borrão claro sobre uma textura negra seria provavelmente a lua reflectindo naquilo que pareciam ser as fachadas macilentas de prédios em ruínas, a sua prata esmorecida. Nas planícies ao longe surgiram copas de árvores nuas, sacudidas por ventos fortes e três personagens começaram a ganhar contornos distintos. Vislumbrei cabelos louros esvoaçando com o vento e um rosto expresso de dor e repugna; um homem trajando uma capa negra e comprida, com um chapéu escondendo-lhe o rosto e no chão jazia uma figura sobre uma poça de sangue escura misturada com a terra.

Cai vertiginosamente num mar de sensações turbulentas, senti a minha cabeça a inflamar de dor e o meu peito dilacerado regurgitando o elixir da vida. Um misto de ódio e de misericórdia e num momento comum tudo passou a fazer sentido.
E todas as memórias, e todas as caminhadas a beira-mar, aqueles tantos silêncios cúmplices que partilhamos… Tudo apagado num momento de horror, uma lamina cravada que me esvazia o peito da vida que me resta, dois corpos que se afastam na cumplicidade da noite, e o som seco do meu cadáver caindo sobre um manto de espinhos.

Porquê?...

domingo, 27 de julho de 2008

Pode beijar a noiva...



É Primavera e está uma noite serena, enquanto eu observo as estrelas e penso em ti. Dá-me a entender que, desde que chegaste a minha vida, como um forasteiro vindo de um país que nem sei, tudo se resume a uma simples verdade: Tu!


Eu sei que não devia ser assim. Mas de nada valem os olhares desaprovadores de Sofia, ou as palavras encorajadoras de tantos demais, porque na verdade aqueles que me podiam suster eclipsaram-se, assim como se de nada se tratasse. E eu pergunto-me: afinal onde param a minha atitude, a minha dignidade? Ao que a pergunta cai na lama sem um reflexo de dúvida, sem ninguém que a conteste. Admito que elas não foram muito generosas, pois no momento em que tu decidiste viajar para um outro país qualquer, creio que elas decidiram acompanhar-te nessa viagem deixando-me desprovida de qualquer sentimento. Ou então estão numa esplanada qualquer com tantas outras atitudes e tantas mais dignidades como se de uma reunião de uma nova associação, a associação dos sentimentos órfãos, se tratasse. Como se o abismo das nossas existências já não fosse suficiente e pela falta daquele pedaço que nos torna inteiras os nossos sentimentos apunhalam-nos sarcasticamente incógnitos e pacíficos, mergulhando-nos num caos desumano.

Creio que a minha dignidade se arrasta pelo chão sujo da cozinha o qual ainda não tive tempo de limpar. Confesso que o ‘não ter tempo’ é sinónimo de ‘deixa andar, faz-se depois’. Também, quem é que vai reparar na imundice? O meu tempo é gerido única e exclusivamente numa só coisa: a pensar em ti. De tal forma que nem tenho tempo para as refeições o que faz de ti o meu suplemento diário. E no final de contas até há alguma coisa de bom no meio de tudo isto. É que finalmente consegui perder o pneu irritante que aparentemente te incomodava tanto.

Dói pensar que esta foi a única escolha que tivemos. Custa-te a admitir que foi eu que te deixei... Eu disse 'que te deixei', certo? Bem na verdade acho que foi mútuo, e confesso que já estava farta daquilo… Bom, na verdade... Quer dizer… Pronto, admito! Dói pensar que me deixaste.

É sempre tão desmoralizador, destrutivo até, o facto de sermos largadas, esquecidas, trocadas ou na pior das hipóteses usadas… O que seja. Para eles existem sempre soluções mais práticas… E na verdade não é por falta de devoradoras à solta. O que é certo é que eu não quero tornar-me numa feminista frustrada, porque frustrada já estou. A vida continua e eu sei disso, no entanto por vezes dá-me vontade de pousar a bagagem e soltar um grito.


Ouvi dizer um dia: ‘O mundo é aquilo que imaginamos…’. Será mesmo assim?


- Mas quando é que vais deixar de falar do mesmo assunto? – Bradou Sofia e todas as pessoas a nossa volta ficaram a olhar para ela.

Naquele momento senti-me o centro do mundo. A protagonista no meio de um filme de acção, que embora no meio de uma sinfonia de explosões e objectos que passam a tangente pela sua cabeça, não deixa de ser o alvo do olhar inquiridor de todos os espectadores naquela sala de cinema escura e recôndita. O que mais me inquietou foi o facto de este ser um filme cliché. Aquele tipo de filme em que já sabemos o que vai acontecer mesmo antes de chegar ao fim... Chego a conclusão que muitas vezes após se consagrar o tão bem dito matrimónio e por entre aquelas promessas para toda a vida e ao passo que se vão empurrando as alianças para os dedos um do outro, tudo se desvanece com a mesma rapidez do beijo que se dá em frente aquela plateia enorme e vibrante de emoções. Depois é ver o dedo inchar ao longo dos anos, reflexo de todo o comodismo. De chegar a casa e ficar no sofá agarrado a melhor amiga de sempre, aquela que é tão fácil, que sem grandes pretextos se deixa levar e lhes vai escorregando pela goela a baixo – a tal cerveja!

Mas o facto de dizer o que sinto não muda nada, até porque as palavras não chegam para te trazer para junto de mim. No entanto continuo a preferir ser uma solteira frustrada e em vias de me tornar uma feminista incondicional à procura da sua atitude e da sua dignidade pelos quatro cantos do mundo, do que ser uma caçadora furtiva de homens nesta selva urbana.

E assim será, até ao dia em que naquela catedral as tais palavras vão soar e a plateia vibrará ao rubro das emoções: «Pode beijar a noiva...»




quarta-feira, 21 de maio de 2008

Odisseia



O tempo todo do mundo’ – pensei eu.

O tempo todo do mundo não bastava para que eu caminhasse o suficiente em busca de um lugar que nem sei. Sentia que o tempo era a linha ténue que me separava da verdade e se por um momento tudo deixasse de ser aquilo para ser outra coisa? A cada minuto que passava o vento movia as folhas, dispunha tudo de forma diferente.


Foi então que vi uma pedra e apercebi-me de que não estaria só… Acompanhei-me da minha ausência até lá e sentei-me. Porquê? Não sei… Talvez porque da mesma forma que me sentei naquela pedra fria e cinzenta tu saberias que eu ali estaria aguardando impaciente a tua chegada.

Um momento de silêncio e o vento ressoou mais forte.

‘Afinal o vento trouxe-te até mim…’





segunda-feira, 19 de maio de 2008

Loures, 29 Março 2007

- Sim, é como se fosse um barco. Dizias tu…

“A vida é como um barco que flutua na calma dás águas, após o tormento da tempestade. A vida como um barco…”

Por momentos fiquei preso aquela frase e tentei, de alguma forma, imaginar a vida como sendo um barco em alto mar. Fico francamente assustado com tal fragilidade. Toda aquela colecção de pedaços de madeira frágil, balançando-se de um lado para o outro, naquela imensidão que as engole e as sustem.

Inevitavelmente o tempo vai-se encarregando de as desfazer, apodrecendo-as na força da sua existência longa e atribulada e mais uma onda que as sacode e as rochas, esses lendários adamastores, que as seguem de olhar firme e posição segura, atentas ao mínimo balanço para suster em toda a sua passividade o estrondo dos destroços.

A vida é como um barco, pensei… A qualquer momento, um tanto comum ou talvez menos previsível, vê-se sem rumo, sem estrelas no céu ou o sois que o guie. Este, Oeste? Norte ou Sul? Preenchido pelo significado da palavra perdido, tenta a todo o custo não ser o antónimo da sobrevivência e com todas as forças luta por se achar em algum lugar seguro. É então que chega o desejo bruto, naquele momento único, sublime, perigoso, mágico em que as forças se opõem numa tentativa desesperada de marcar a diferença. E as mademoiselles carregadas de pranto e dor, lançadas sobre a ignorância do paradeiro dos seus maridos. E os maridos delas incógnitos do fado que o barco da vida ditará. E os pequenos que olham o horizonte, na sua inocência infantil e embora não sabendo o significado daquela alegoria, permanecem cúmplices do silêncio de suas progenitoras de olhares fixos no horizonte, para que ao mínimo traço possam exclamar – São eles!

É um barco que se afasta ao sabor do vento, que já não olha mais para trás. A cada nó vai esquecendo o que lhe antecedera, o que lhe dera forma… Das mãos robustas e calejadas, da experiência em punho… Aquele que se afasta e se esquece do porto de abrigo, sem temer uma viagem só de ida. Este é o exuberante Barco da Vida…

sábado, 19 de abril de 2008

Silêncio e apenas isso


O grito no vão da escada, o silêncio perturbado e a vizinha que rompe a atmosfera em protestos aguçados… As janelas batem ao vento ao passo que o telefone toca e o relógio não pára. O bébe chora no seu leito, faminto e eu canso-me de o escutar e por momentos desejo ser nua para que ele não me veja, no entanto ele sabe que eu estou lá!


Chora, grita e de novo e quebra o silêncio e a vizinha que branda a plenos pulmões…


Por fim, o telefone emudece, a criança já se vai calando. A vizinha sossega – por quanto tempo? – e a rua adormece, na ode do quotidiano stressado. O vento tempera e as janelas sossegam. Silêncio e apenas isso… O que mais posso eu desejar do que um momento em que seja só eu, nua de mim e nua para o mundo, sem medos nem culpas, sem ressentimentos ou arrependimentos. O que mais posso eu desejar do que somente eu, como mulher igual a tantas demais, aliás, como tantas iguais. Cabelo preto, olhos castanhos, lívidos de uma vida cansada, mas ao mesmo tempo impávidos pela serenidade de uma criatura que me rompera o ventre entre gritos e suor – a minha cria!


Um breve instante e a janela se abre de par em par, enquanto uma leve brisa recria um momento perdido. Sim, esse mesmo que estás a pensar, estejas onde estiveres… Cobarde! Não passas disso e nem sequer tens coragem para o admitir. Deixaste-me uma vida no ventre e fugiste, arrependido, horrorizado? Sais-te com a mesma pressa que um assassino tentando parecer incógnito ao cenário do crime. Deu-te prazer a forma como me tiraste a vida, a forma como te apoderaste do meu corpo e o desfizeste... Momentos depois a única coisa que se adivinhou foi eu, jazendo no chão frio. E tu, com aquela expressão de repugna, nojo, quase de agonia por me teres tocado… Os teus olhos vazios, as tuas mãos trémulas… Pergunto-me de quem foram aqueles olhos que me saudaram no meu vestido de cetim, aqueles mesmos que me despiram ainda antes de tirar o chapéu-de-sol. De quem eram aqueles olhos que com ternura me confessaram segredos inimagináveis, eu jamais iria saber se não fossem eles a desvendá-los!


Não passou de um momento, agora sei-o! Estava calor e os nossos corpos nus pintados no chão eram o que quebrava a monotonia do espaço vazio, assim como as paredes despidas de qualquer adereço se achavam ao nosso redor tão cúmplices, tão secretas! Não existiram pétalas de rosa espalhadas, nem velas acesas, nem camas de dossel com véus esvoaçando no nada. Não existiu mais nada para além de lençóis velhos, amarrotados no chão, aqueles mesmos lençóis que havias tomado como emprestados, ou será que devo dizer roubados?


Chegamos ali e apenas o Sol entrevia sem preconceito, sem medo, sem pedir licença, espalmando-nos de encontro o chão. Afloraste-me a pele, sublinhaste o meu decote até e por fim me agarraste os seios duros e envolveste-os nas tuas mãos… Beijaste-me o pescoço ao mesmo tempo que eu percorria todo o teu corpo com as minhas mãos. Olhamo-nos, beijámo-nos… Acariciaste os meus seios uma vez mais e rasgaste-me o vestido deixando-os ali, ao teu dispor… Lambeste-me, tocaste-me, beijaste-me… Uma sinfonia plena de toques e sensações que me deixou desaustinada de prazer. Sem querer passei a minha mão pelo teu sexo e senti-o duro e nesse momento um misto de prazer e medo avassalou-me.


Mas nada te fez parar e continuaste a percorrer o meu corpo com os teus lábios, as tuas mãos acariciando-me o sexo até que por fim decidi ser tua. Sem preconceitos deixei que o vestido deslizasse pelo meu corpo. Veneraste-o por um breve instante e convidaste-me a deitar-me no chão. Senti a tua língua em mim, uma sensação que nunca havia sentido antes. De repente vi-me um animal selvagem, desejoso do coito, e tirei-te a camisola deixando-me deleitada com o teu tronco forte e definido. Passei as mãos pelo teu peito beijando-o sofregamente, percorrendo-o até ao umbigo e desabotoei-te as jeans deixando entrever aquele volume soberbo.


Demoraste-te num olhar como quem espera por um sim. Finalmente entraste em mim, penetrando-me com suavidade pois sabias que ninguém o havia feito antes. Senti medo, dor, insegurança, desconforto… No entanto soubeste-me conduzir naquele jogo e com movimentos suaves fomo-nos consumindo. Pouco depois investias mais e cada vez mais era o prazer e a vontade de gritar… Tornas-te os movimentos mais rápidos, penetrando-me vigorosamente até que por entre gemidos e suor tudo acalmou naquela atmosfera quente como o crepusculo descendo sobre uma tórrida tarde de verão.


Eu estava decidida a ficar ali, guardando-te nos meus braços como uma criança recém-nascida. Ousei imaginar uma cena de um filme em que ficaríamos ali e eu tomando-te em meus braços, enquanto uma brisa leve se soltava. Imaginava-nos adormecendo enquanto aquele ambiente amainava, numa plenitude que nos tornaria cúmplices e unidos para sempre. Não podia estar mais enganada!


Depois do sexo, limpaste-te sem me olhar sequer, abandonando-me à minha imaginação. Vestiste a camisola, os boxers e as jeans indiferente e saíste sem pronunciar uma única palavra. Foi a última vez que te vi… Procurar-te, eu? Preferi guardar na memória o final de uma película romântica e para mim ficamos ali no sossego das nossas presenças para sempre.


Uma vez mais o vento bateu forte e as janelas gritaram de dor. Mais uma vez a criança desatou aos berros no seu choro desenfreado, cheia de fome! A vizinha solta-se aos berros, o telefone não cessa de tocar ao passo que a chaleira começa a chiar com a água a ferver e o meu cérebro entra em ebulição. Esgotam-se as forças, o pensamento, as lembranças e tudo aquilo que me resta é o silêncio que me consome e o tempo que me engole e me faz mais velha.


Oiço alguém algures gritar: ‘Um minuto é muito tempo para desperdiçar!’ Aquela frase súbita, entra de rompante pela casa dentro estilhaçando-me em mil pedaços, assim como se eu fosse de cristal. Um minuto passa e outro finda – já passaram dois! Dois minutos é uma vida que some em memorias de uma existência taciturna e tudo o que sobra é uma mulher que segura nos braços uma criatura. Não a desejei, mas amo-a sequiosamente como se nada mais restasse. Então, aquela bela e ingénua rapariga estremece no papel de mãe. São novos os desafios, novas as incertezas e os medos.


Os minutos passam e se um minuto é um instante muito longo, dois será a vida que finda. Eu nasço de novo, mais fria, mais bruta e mais desconfiada! Mais uma minuto que corre, mais uma vez que nasço. Uma outra pessoa que não aquela que lhe antecedera, porque os minutos também não são todos iguais.


E no meio de tantos partos, a vida cansa-se de nos parir e por fim exausta larga-nos seu ultimo instante. Com a liberdade que me concederam, eu brinco…