sábado, 19 de abril de 2008

Silêncio e apenas isso


O grito no vão da escada, o silêncio perturbado e a vizinha que rompe a atmosfera em protestos aguçados… As janelas batem ao vento ao passo que o telefone toca e o relógio não pára. O bébe chora no seu leito, faminto e eu canso-me de o escutar e por momentos desejo ser nua para que ele não me veja, no entanto ele sabe que eu estou lá!


Chora, grita e de novo e quebra o silêncio e a vizinha que branda a plenos pulmões…


Por fim, o telefone emudece, a criança já se vai calando. A vizinha sossega – por quanto tempo? – e a rua adormece, na ode do quotidiano stressado. O vento tempera e as janelas sossegam. Silêncio e apenas isso… O que mais posso eu desejar do que um momento em que seja só eu, nua de mim e nua para o mundo, sem medos nem culpas, sem ressentimentos ou arrependimentos. O que mais posso eu desejar do que somente eu, como mulher igual a tantas demais, aliás, como tantas iguais. Cabelo preto, olhos castanhos, lívidos de uma vida cansada, mas ao mesmo tempo impávidos pela serenidade de uma criatura que me rompera o ventre entre gritos e suor – a minha cria!


Um breve instante e a janela se abre de par em par, enquanto uma leve brisa recria um momento perdido. Sim, esse mesmo que estás a pensar, estejas onde estiveres… Cobarde! Não passas disso e nem sequer tens coragem para o admitir. Deixaste-me uma vida no ventre e fugiste, arrependido, horrorizado? Sais-te com a mesma pressa que um assassino tentando parecer incógnito ao cenário do crime. Deu-te prazer a forma como me tiraste a vida, a forma como te apoderaste do meu corpo e o desfizeste... Momentos depois a única coisa que se adivinhou foi eu, jazendo no chão frio. E tu, com aquela expressão de repugna, nojo, quase de agonia por me teres tocado… Os teus olhos vazios, as tuas mãos trémulas… Pergunto-me de quem foram aqueles olhos que me saudaram no meu vestido de cetim, aqueles mesmos que me despiram ainda antes de tirar o chapéu-de-sol. De quem eram aqueles olhos que com ternura me confessaram segredos inimagináveis, eu jamais iria saber se não fossem eles a desvendá-los!


Não passou de um momento, agora sei-o! Estava calor e os nossos corpos nus pintados no chão eram o que quebrava a monotonia do espaço vazio, assim como as paredes despidas de qualquer adereço se achavam ao nosso redor tão cúmplices, tão secretas! Não existiram pétalas de rosa espalhadas, nem velas acesas, nem camas de dossel com véus esvoaçando no nada. Não existiu mais nada para além de lençóis velhos, amarrotados no chão, aqueles mesmos lençóis que havias tomado como emprestados, ou será que devo dizer roubados?


Chegamos ali e apenas o Sol entrevia sem preconceito, sem medo, sem pedir licença, espalmando-nos de encontro o chão. Afloraste-me a pele, sublinhaste o meu decote até e por fim me agarraste os seios duros e envolveste-os nas tuas mãos… Beijaste-me o pescoço ao mesmo tempo que eu percorria todo o teu corpo com as minhas mãos. Olhamo-nos, beijámo-nos… Acariciaste os meus seios uma vez mais e rasgaste-me o vestido deixando-os ali, ao teu dispor… Lambeste-me, tocaste-me, beijaste-me… Uma sinfonia plena de toques e sensações que me deixou desaustinada de prazer. Sem querer passei a minha mão pelo teu sexo e senti-o duro e nesse momento um misto de prazer e medo avassalou-me.


Mas nada te fez parar e continuaste a percorrer o meu corpo com os teus lábios, as tuas mãos acariciando-me o sexo até que por fim decidi ser tua. Sem preconceitos deixei que o vestido deslizasse pelo meu corpo. Veneraste-o por um breve instante e convidaste-me a deitar-me no chão. Senti a tua língua em mim, uma sensação que nunca havia sentido antes. De repente vi-me um animal selvagem, desejoso do coito, e tirei-te a camisola deixando-me deleitada com o teu tronco forte e definido. Passei as mãos pelo teu peito beijando-o sofregamente, percorrendo-o até ao umbigo e desabotoei-te as jeans deixando entrever aquele volume soberbo.


Demoraste-te num olhar como quem espera por um sim. Finalmente entraste em mim, penetrando-me com suavidade pois sabias que ninguém o havia feito antes. Senti medo, dor, insegurança, desconforto… No entanto soubeste-me conduzir naquele jogo e com movimentos suaves fomo-nos consumindo. Pouco depois investias mais e cada vez mais era o prazer e a vontade de gritar… Tornas-te os movimentos mais rápidos, penetrando-me vigorosamente até que por entre gemidos e suor tudo acalmou naquela atmosfera quente como o crepusculo descendo sobre uma tórrida tarde de verão.


Eu estava decidida a ficar ali, guardando-te nos meus braços como uma criança recém-nascida. Ousei imaginar uma cena de um filme em que ficaríamos ali e eu tomando-te em meus braços, enquanto uma brisa leve se soltava. Imaginava-nos adormecendo enquanto aquele ambiente amainava, numa plenitude que nos tornaria cúmplices e unidos para sempre. Não podia estar mais enganada!


Depois do sexo, limpaste-te sem me olhar sequer, abandonando-me à minha imaginação. Vestiste a camisola, os boxers e as jeans indiferente e saíste sem pronunciar uma única palavra. Foi a última vez que te vi… Procurar-te, eu? Preferi guardar na memória o final de uma película romântica e para mim ficamos ali no sossego das nossas presenças para sempre.


Uma vez mais o vento bateu forte e as janelas gritaram de dor. Mais uma vez a criança desatou aos berros no seu choro desenfreado, cheia de fome! A vizinha solta-se aos berros, o telefone não cessa de tocar ao passo que a chaleira começa a chiar com a água a ferver e o meu cérebro entra em ebulição. Esgotam-se as forças, o pensamento, as lembranças e tudo aquilo que me resta é o silêncio que me consome e o tempo que me engole e me faz mais velha.


Oiço alguém algures gritar: ‘Um minuto é muito tempo para desperdiçar!’ Aquela frase súbita, entra de rompante pela casa dentro estilhaçando-me em mil pedaços, assim como se eu fosse de cristal. Um minuto passa e outro finda – já passaram dois! Dois minutos é uma vida que some em memorias de uma existência taciturna e tudo o que sobra é uma mulher que segura nos braços uma criatura. Não a desejei, mas amo-a sequiosamente como se nada mais restasse. Então, aquela bela e ingénua rapariga estremece no papel de mãe. São novos os desafios, novas as incertezas e os medos.


Os minutos passam e se um minuto é um instante muito longo, dois será a vida que finda. Eu nasço de novo, mais fria, mais bruta e mais desconfiada! Mais uma minuto que corre, mais uma vez que nasço. Uma outra pessoa que não aquela que lhe antecedera, porque os minutos também não são todos iguais.


E no meio de tantos partos, a vida cansa-se de nos parir e por fim exausta larga-nos seu ultimo instante. Com a liberdade que me concederam, eu brinco…